24 Nov
24Nov

     O acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul tem gerado debates acalorados, especialmente na França, onde agricultores e políticos expressam preocupação com seus impactos econômicos, sociais e ambientais. O tratado, que engloba países como Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, busca eliminar tarifas alfandegárias e facilitar o comércio entre os dois blocos. Caso seja ratificado, será o maior acordo comercial já realizado pela UE, beneficiando uma população de cerca de 780 milhões de pessoas e movimentando até 45 bilhões de euros em importações e exportações.


     Esse acordo, negociado desde o início dos anos 2000 e formalmente concluído em 2019, prevê a redução de tarifas para diversos produtos europeus, como automóveis, roupas e vinhos. Em contrapartida, abrirá o mercado europeu para grandes volumes de produtos agrícolas sul-americanos, incluindo carne bovina, aves, arroz, mel e açúcar. Isso tem gerado resistência significativa, especialmente entre os agricultores franceses, que enxergam no tratado uma ameaça direta ao seu modo de vida e à competitividade de suas produções.


     Um dos pontos mais polêmicos está relacionado às importações de carne bovina e de aves. Produtores franceses alegam que a concorrência com grandes fazendas sul-americanas, que operam sob regulamentações sanitárias e ambientais menos rigorosas e com custos de produção reduzidos, é desleal. Além disso, há receios de que produtos importados não atendam aos padrões de qualidade exigidos na Europa, o que poderia comprometer a saúde pública e a confiança dos consumidores.


     A oposição ao acordo também se dá no campo ambiental. Estudos apontam que a produção intensiva nos países do Mercosul, incentivada pelo tratado, pode acelerar o desmatamento, especialmente na Amazônia. Isso contraria os compromissos climáticos assumidos no Acordo de Paris, gerando críticas tanto de ambientalistas quanto de setores políticos. Uma auditoria recente da Comissão Europeia levantou preocupações adicionais sobre o uso de hormônios de crescimento em carne bovina exportada pelo Brasil, prática proibida na Europa há décadas.


     Na França, a resistência ao acordo não se limita ao setor agrícola. Mais de 600 parlamentares de diferentes espectros políticos expressaram oposição ao tratado, criticando-o por não atender aos padrões democráticos, econômicos e sociais estabelecidos pelo Parlamento francês. O governo francês, liderado pelo presidente Emmanuel Macron e pelo primeiro-ministro Michel Barnier, tem insistido na necessidade de renegociar o texto. Entre as demandas está a inclusão de “cláusulas-espelho”, que garantiriam que produtos importados cumpram os mesmos requisitos ambientais e sanitários aplicados aos produtos europeus.


     Apesar das pressões contrárias, países como Alemanha, Espanha e Portugal defendem a conclusão do acordo, enxergando nele uma oportunidade de estimular o crescimento econômico e garantir acesso a matérias-primas essenciais para a transição ecológica. Para a França, a possibilidade de bloquear o tratado dependerá de sua capacidade de reunir uma coalizão de Estados-Membros da UE contrários ao acordo. Entretanto, até o momento, o país permanece relativamente isolado nessa posição.


     O futuro do acordo UE-Mercosul permanece incerto. A Comissão Europeia, buscando alternativas, considera dividir o tratado em duas partes: uma relacionada à cooperação e outra exclusivamente comercial, o que limitaria o poder de veto de países contrários, como a França. A decisão final será um teste de força entre as diferentes prioridades dos Estados-Membros da UE, envolvendo interesses comerciais, ambientais e sociais que impactarão diretamente milhões de pessoas em ambos os lados do Atlântico.

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